Caminhos para a aprendizagem inovadora
José Manuel Moran
Especialista em projetos inovadores na educação presencial e a distância
Texto publicado no livro Novas Tecnologias e
Mediação Pedagógica, 15ª ed.
SP: Papirus, 2009, p.22-24
De tudo, de qualquer situação, leitura ou pessoa
podemos extrair alguma informação ou experiência que nos pode ajudar a
ampliar o nosso conhecimento, para confirmar o que já sabemos, para
rejeitar determinadas visões de mundo, para incorporar novos pontos de
vista.
Um dos grandes desafios para o educador é ajudar a
tornar a informação significativa, a escolher as informações
verdadeiramente importantes entre tantas possibilidades, a
compreendê-las de forma cada vez mais abrangente e profunda e a
torná-las parte do nosso referencial.
Aprendemos melhor quando vivenciamos,
experimentamos, sentimos. Aprendemos quando relacionamos, estabelecemos
vínculos, laços entre o que estava solto, caótico, disperso,
integrando-o em um novo contexto, dando-lhe significado, encontrando um
novo sentido.
Aprendemos quando descobrimos novas dimensões de
significação que antes se nos escapavam, quando vamos ampliando o
círculo de compreensão do que nos rodeia, quando como numa cebola,
vamos descascando novas camadas que antes permaneciam ocultas à nossa
percepção, o que nos faz perceber de uma outra forma. Aprendemos mais
quando estabelecemos pontes entre a reflexão e a ação, entre a
experiência e a conceituação, entre a teoria e a prática; quando ambas
se alimentam mutuamente.
Aprendemos quando equilibramos e integramos o sensorial, o racional, o emocional, o ético, o pessoal e o social.
Aprendemos pelo pensamento divergente, através da tensão, da busca e pela convergência – pela organização, integração.
Aprendemos pela concentração em temas ou objetivos
definidos ou pela atenção difusa, quando estamos de antenas ligadas,
atentos ao que acontece ao nosso lado. Aprendemos quando perguntamos,
questionamos, quando estamos atentos, de antenas ligadas.
Aprendemos quando interagimos com os outros e o
mundo e depois, quando interiorizamos, quando nos voltamos para dentro,
fazendo nossa própria síntese, nosso reencontro do mundo exterior com a
nossa reelaboração pessoal.
Aprendemos pelo interesse, necessidade. Aprendemos
mais facilmente quando percebemos o objetivo, a utilidade de algo,
quando nos traz vantagens perceptíveis. Se precisamos comunicar-nos em
inglês pela internet ou viajar para fora do país, o desejo de aprender
inglês aumenta e facilita a aprendizagem dessa língua.
Aprendemos pela criação de hábitos, pela
automatização de processos, pela repetição. Ensinar se torna mais
duradouro, se conseguimos que os outros repitam processos desejados.
Ex. ler textos com freqüência, facilita que a leitura faça parte do
nosso dia a dia. Nossa resistência a ler vai diminuindo.
Aprendemos pela credibilidade que alguém nos merece.
A mesma mensagem dita por uma pessoa ou por outra pode ter pesos bem
diferentes, dependendo de quem fala e de como o faz. Aprendemos também
pelo estímulo, motivação de alguém que nos mostra que vale a pena
investir num determinado programa, curso. Um professor que transmite
credibilidade facilita a comunicação com os alunos e a disposição para
aprender.
Aprendemos pelo prazer, porque gostamos de um
assunto, de uma mídia, de uma pessoa. O jogo, o ambiente agradável, o
estímulo positivo podem facilitar a aprendizagem.
Aprendemos mais, quando conseguimos juntar todos os
fatores: temos interesse, motivação clara; desenvolvemos hábitos que
facilitam o processo de aprendizagem; e sentimos prazer no que
estudamos e na forma de fazê-lo.
Aprendemos realmente quando conseguirmos transformar
nossa vida em um processo permanente, paciente, confiante e afetuoso de
aprendizagem. Processo permanente, porque nunca acaba. Paciente, porque
os resultados nem sempre aparecem imediatamente e sempre se modificam.
Confiante, porque aprendemos mais se temos uma atitude confiante,
positiva diante da vida, do mundo e de nós mesmos. Processo afetuoso,
impregnado de carinho, de ternura, de compreensão, porque nos faz
avançar muito mais.
Conhecimento pela comunicação e pela interiorização
O
conhecimento se dá fundamentalmente no processo de interação, de
comunicação. A informação é o primeiro passo para conhecer. Conhecer é
relacionar, integrar, contextualizar, fazer nosso o que vem de fora.
Conhecer é saber, é desvendar, é ir além da superfície, do previsível,
da exterioridade. Conhecer é aprofundar os níveis de descoberta, é
penetrar mais fundo nas coisas, na realidade, no nosso interior.
Conhecer é conseguir chegar ao nível da sabedoria, da integração total,
da percepção da grande síntese, que se consegue ao comunicar-se com uma
nova visão do mundo, das pessoas e com o mergulho profundo no nosso eu.
O conhecimento se dá no processo rico de interação externo e interno.
Pela comunicação aberta e confiante desenvolvemos contínuos e
inesgotáveis processos de aprofundamento dos níveis de conhecimento
pessoal, comunitário e social.
Conseguimos compreender melhor o mundo e os outros,
equilibrando os processos de interação e de interiorização. Pela
interação entramos em contato com tudo o que nos rodeia; captamos as
mensagens, nos revelamos e ampliamos a percepção externa. Mas a
compreensão só se completa com a interiorização, com o processo de
síntese pessoal, de reelaboração de tudo o que captamos através da
interação.
Temos muitas chances de interagir, de buscar novas
informações. Somos solicitados continuamente a ver novas coisas, a
encontrar novas pessoas, a ler novos textos. A sociedade -
principalmente pelos meios de comunicação - nos puxa em direção ao
externo e não há a mesma preocupação em equilibrar a saída para o mundo
com a interiorização, com o ambiente de calma, meditação e paz
necessários para reencontrar-nos, para aceitar-nos, para elaborar novas
sínteses.
Hoje há mais pessoas voltadas para fora do que para
dentro de si, mais repetidoras do que criadoras, mais desorientadas do
que integradas.
Interagiremos melhor se soubermos também
interiorizar, se encontrarmos formas mais ricas de compreensão, que
levará para novos momentos de interação. Se equilibramos o interagir e
o interiorizar conseguiremos avançar mais, compreender melhor o que nos
rodeia, o que somos; conseguiremos levar ao outro novas sínteses e não
sermos só papagaios, repetidores do que ouvimos.
Os
processos de conhecimento dependem profundamente do social, do ambiente
cultural onde vivemos, dos grupos com os que nos relacionamos.
A cultura onde mergulhamos interfere em algumas dimensões da nossa
percepção. Um jovem dos anos sessenta se parece com um jovem da década
de noventa, mas, ao mesmo tempo, muitas percepções e valores mudaram
radicalmente. Do hippie contestador dos anos sessenta passamos hoje
para um jovem mais conservador, mais preocupado com sua qualidade de
vida pessoal, com o seu futuro profissional, em querer ter acesso aos
bens de consumo. É um jovem, em geral, menos idealista e com menos
sentimentos de culpa que os seus próprios pais.
O conhecimento depende significativamente de como
cada um processa as suas experiências quando criança, principalmente no
campo emocional. Se a criança se sente apoiada, incentivada, ela
explorará novas situações, novos limites, se exporá a novas buscas. Se,
pelo contrário, se sente rejeitada, rebaixada, poderá reagir com medo,
com rigidez, fechando-se defensivamente diante do mundo, não explorando
novas situações.
As interferências emocionais, os roteiros aprendidos
na infância levam a formas de aprender automatizadas por alguns
mecanismos, que ajudam e complicam o processo. Um deles é o da passagem
da experiência particular para a geral, o processo chamado de generalização.
Com a repetição de algumas situações semelhantes, a tendência do
cérebro é a de acreditar que elas acontecerão sempre do mesmo jeito, e
isso torna-se algo geral, torna-se padrão. Diante de novas
experiências, a tendência será enquadrá-las rapidamente nos padrões
anteriores fixados, sem analisá-las muito profundamente, a não ser que
haja divergências extremamente fortes. Com a generalização facilitamos
a compreensão rápida, mas podemos deturpar, simplificar a nossa
percepção do objeto focalizado. O estereótipo é um processo de
generalização e fixação de conteúdo, que se cristaliza e dificilmente
se modifica.
Esses processos de generalização e de interferências
emocionais levam a mudanças, a distorções, a alterações na percepção da
realidade. Cada um conhece a partir de todos esses filtros,
condicionamentos. Muitos dados não são sequer percebidos, são deixados
de lado antes de serem decodificados. Quando há muitos estímulos
simultâneos, o cérebro seleciona os que considera principais e corre em
busca dos estereótipos e das formas já familiares. Cada um pensa que a
sua percepção é completa e verdadeira e tem dificuldade em aceitar as
percepções diferentes dos outros.
Se nossos processos de percepção estão distorcidos,
podem levar-nos desde pequenos a enxergar-nos de forma negativa, a não
avaliar-nos corretamente. Conhecer a si mesmo, aos outros, o mundo de
forma cada vez mais ampla, plena e profunda é o primeiro grande passo
para mudar, evoluir, crescer, ser livre e realizar-nos.
Um dos eixos das mudanças na educação passa pela sua transformação em um processo de comunicação autêntica e aberta
entre professores e alunos, principalmente, incluindo também
administradores, funcionários e a comunidade, principalmente os pais.
Só vale a pena ser educador dentro de um contexto comunicacional
participativo, interativo, vivencial. Só aprendemos profundamente
dentro deste contexto. Não vale a pena ensinar dentro de estruturas
autoritárias e ensinar de forma autoritária. Pode até ser mais
eficiente a curto prazo - os alunos aprendem rapidamente determinados
conteúdos programáticos - mas não aprendem a ser pessoas, a ser
cidadãos.
Parece uma ingenuidade falar de comunicação
autêntica numa sociedade altamente competitiva, onde cada um se expõe
até determinado ponto e, na maior parte das vezes, se esconde, em
processos de comunicação aparentes, cheios de desconfiança, quando não
de interações destrutivas. As organizações que quiserem evoluir terão
que aprender a reeducar-se em ambientes mais significativos de
confiança, de cooperação, de autenticidade. Isso as fará crescer mais,
estar mais atentas às mudanças necessárias.
As tecnologias nos ajudam a realizar o que já
fazemos ou que desejamos. Se somos pessoas abertas, elas nos ajudam a
ampliar a nossa comunicação; se somos fechados, ajudam a controlar
mais. Se temos propostas inovadoras, facilitam a mudança.
Com ou sem tecnologias avançadas podemos vivenciar
processos participativos de compartilhamento de ensinar e aprender
(poder distribuído) através da comunicação mais aberta, confiante, de
motivação constante, de integração de todas as possibilidades da
aula-pesquisa/aula-comunicação, num processo dinâmico e amplo de
informação inovadora, re-elaborada pessoalmente e em grupo, de
integração do objeto de estudo em todas as dimensões pessoais:
cognitivas, emotivas, sociais, éticas e utilizando todas as habilidades
disponíveis do professor e do aluno.
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quarta-feira, 27 de junho de 2012
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